Mohammed El-Kurd tem apenas 27 anos, nasceu em Jerusalém, na Palestina, é poeta, escritor e jornalista. A revista Time o incluiu, quatro anos atrás, como uma das 100 vozes mais influentes do mundo.
Sabemos todos que essas escolhas são mais frutos da cabeça dos editores do que propriamente exprimem a verdade, mas, seja como for, servem como bússola.
A editora Tabla lançou no Brasil o mais recente livro de El-Kurd, Vítimas Perfeitas e a Política do Apelo.
Um soco no estômago da criminosa propaganda sionista.
Segundo o prefácio da premiada escritora chilena Lina Meruane, “vítima perfeita seria aquela que se deixa despojar e aniquilar, aquela que, desprovida ou roubada de toda capacidade de ação, só pode sobreviver se for salva por outros”.
Arma de propaganda
Em dez capítulos e 257 páginas, o livro dá carradas de provas sobre o que diz o prefácio, em relatos revoltantes ora contados com raiva, ora com ironia, sempre com apego aos fatos.
Mais do que recomendável, trata-se de leitura obrigatória para deixar mais uma vez nua a desfaçatez dos genocidas comandados pelo terrorista Benjamin Netanyahu.
Um dos capítulos, sob o título “Mein Kampf no quarto dos brinquedos, sobre propaganda”, é particularmente eloquente e daria inveja a Joseph Goebbels, o filologista e ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, entre 1933 e 1945.
Em poucas três páginas e meia, não mais, El-Kurd conta a história de como o Minha Luta, famigerada obra de Adolf Hitler, a apologia do antissemitismo e do anticomunismo, do racismo e do nacionalismo de extrema-direita, virou arma de propaganda do governo de Israel na busca de convencer os incautos de como as crianças palestinas eram alvos de lavagem cerebral para se voltar contra os judeus.
A mentira é cinicamente destilada por Isaac Herzog, o presidente de Israel, à jornalista da BBC.
Em árabe, o livro é mostrado para exemplificar como as ideias que tanto mal causaram aos britânicos, na Segunda Guerra Mundial, eram difundidas para fazer a cabeça da desprotegida infância habitante da faixa norte de Gaza.
De fato, um assombro – caso fosse verdade, é claro.
Herzog diz, escandalizado, que o terrorista dono do livro não apenas o leu como, imagine!, grifou-o.
Ao que El-Kurd, ironicamente, reage: “Uma mudança de paradigma: os terroristas sabem ler”.
Ironias à parte, o que o escritor quer demonstrar é como se dá soco em ponta de faca ao querer responder às mentiras plantadas como o livro em questão.
Logo surgiram os desmentidos do tipo “veja como é um exemplar novo, jamais alguém sequer folheou o livro mostrado, além do mais, existem exemplares do Mein Kampf nas prateleiras das Universidades de Haifa e Tel Aviv etc”.
Justa indignação
O ponto crucial que El-Kurd quer iluminar e ilumina com raro brilho e sabedoria está exatamente no conceito da vítima perfeita, que precisa se fazer aceita para ser ouvida e atendida.
Não é por aí, ele defende. E pergunta, tomado da santa ira, da justa indignação que todos deveríamos compartilhar diante do massacre de um povo: “Mas por que esse nosso impulso? Um músculo extremamente bem treinado é responsável pelo reflexo da refutação que se tornou parte intrínseca do corpo palestino. A entidade sionista vem há décadas plantando armas e fabricando provas, colocando facas de cortar frutas ao lado de meninas em idade escolar assassinadas. Mas, desde quando um livro é uma arma? Quando um livro se tornou indício capaz de incriminar alguém? Por que temos de responder seriamente a coisas absurdas?”.

A argumentação irrefutável explica o desgaste a que são submetidas todas as vítimas de falsidades ao investirem seu tempo para desmentir a engenharia da demolição.
Serve para os terraplanistas, para os antivacinas, para os fascistas, nazistas e sionistas, artífices da contestação da ciência e do ataque aos direitos humanos.
A vítima perfeita, portanto, é aquela que se submete à lógica criada para torná-la cada vez mais submissa.
Impossível ler El-Kurd sem assombro, por mais que, diariamente, sejamos metralhados por imagens cotidianas do horror genocida, suficientes para nos obrigar a denunciá-las também no dia a dia.
Porque o livro dele faz de cada relato, de cada linha e entrelinhas um libelo humanista contra o horror em pleno século 21.