Saltos tecnológicos, geralmente, ocorrem acompanhados de grande empolgação ou perplexidade, em razão das promessas de avanços, revoluções, e as maravilhas que podem proporcionar, mas também dos perigos e riscos que podem trazer para a sociedade.
Até o final do século XX, a adoção das novas tecnologias era gradual e os saltos se davam em períodos mais longos, o que dava mais tempo para a sociedade avaliar riscos, corrigir rotas, criar salvaguardas.
O domínio humano de novas técnicas tem reduzido cada vez mais os ciclos tecnológicos. No ambiente digital, novos dispositivos, serviços, a plataformização e a datificação da economia geraram cenários, até então, só imaginados no mundo ficcional.
É nesse contexto que a Inteligência Artificial generativa surge, no final de 2022, disponibilizada para bilhões de usuários da internet em todo o planeta, praticamente de forma simultânea. Os grandes modelos de linguagem – LLMs – passaram a oferecer mais do que respostas rápidas a questões trazidas pelos seus bilhões de usuários, eles tornaram-se, rapidamente, agentes de interação criativa, social, laboral, emocional, comportamental, tecnológica. O mundo vive a onda da IA.
Manobra de alto risco
Pesquisadores de todas as áreas do conhecimento estão procurando observar, analisar, compreender e buscar prever – em tempo real – os impactos que uma tecnologia tão ubíqua, pervasiva e disruptiva pode ter.
O domínio da cadeia produtiva da Inteligência Artificial se tornou fator determinante de riqueza e poder geopolítico. Concentrada de forma desproporcional em dois países e em três ou quatro empresas, sua “popularização” se dá impulsionada pelos ganhos econômicos inéditos, acompanhada de um discurso de maravilhas e facilidades. A NVDIA é a empresa que se valorizou mais rápido na história do capitalismo e a primeira a ultrapassar os US$ 4 trilhões em valor de mercado.
Essa concentração pode gerar uma nova divisão internacional de riqueza e trabalho, entre os países que dominam e produzem essa tecnologia e os que consomem e são totalmente dependentes. Novas assimetrias podem derivar desse cenário, novas exclusões e explorações.
Alguns analistas dizem que, se estas empresas estiverem com seus valores supervalorizados de forma artificial, os impactos do estouro da bolha da IA serão, certamente, mais devastadores em comparação à crise das empresas pontocom, na virada da década de 1990 para os anos 2000, podendo afetar outras áreas da economia.
Com a massificação do uso da IA em tempo recorde, a esmagadora maioria dos erros gerados foi sendo identificada e corrigida com o uso – algo como trocar o pneu com o carro andando, uma manobra de alto risco. Assim, os muitos vieses (raciais, comportamentais, de gênero, sociais, econômicos, culturais) foram sendo identificados enquanto os danos já tinham sido provocados, alguns irremediáveis (como no caso de suicídios e mortes relacionadas a conteúdos gerados por IA).
Além disso, os usos da IA foram sendo moldados por uma legião de pessoas sem conhecimento sobre o funcionamento dessa tecnologia, sem proteção e salvaguardas. Alguns que, talvez, os criadores das IAs generativas não previram: a sua criatura passou a ser usada como um personagem, como um ser interagente e ciente, e não mais como ferramenta e máquina.

As IAs se tornaram conselheiras, psicólogas, amigas, namoradas, professoras, médicas, jornalistas. Não só executam tarefas profissionais, como assumem o lugar do outro num mundo no qual as interações sociais entre pessoas e entre as pessoas e o mundo são cada vez mais intermediadas por máquinas (celulares, tablets, computadores, televisão). Os impactos desse novo mundo – não sei se admirável ou terrível – são de toda ordem.
Marco regulatório
A sociedade precisa agir rápido para se proteger dos riscos e usufruir dos benefícios da IA. Isso exige 3 pilares de ação: a) políticas públicas bem informadas, tecnicamente, para definir estratégias de adoção da IA; b) regulação para definir parâmetros para a adoção segura e confiável da IA; e c) formação e informação para a sociedade sobre a IA, seus usos e impactos.
O Brasil precisa olhar este cenário desafiador para construir estratégias para o uso e o desenvolvimento de IA focados na busca da sua soberania digital, nos desafios nacionais, regionais, locais, voltados para a redução das desigualdades, para enfrentar os problemas concretos do povo, com soluções e serviços que sejam socialmente relevantes. O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial é um passo importante neste sentido.
Precisa, também, estabelecer um marco regulatório robusto para IA, que enfatize a ética, a transparência, a responsabilidade e a equidade. Em debate no Congresso Nacional, o PL 2338/2023 é o projeto que tem catalisado as discussões.
Precisamos de parâmetros legais e políticas públicas que envolvam especialistas em tecnologia, ética, direito e representantes da sociedade civil – para assegurar a maior participação dos diferentes grupos sociais, com o objetivo de avaliar o impacto social e ético para o uso seguro e confiável da IA.
*Este texto não usou IA em nenhuma das suas etapas de produção (desde a concepção, o desenvolvimento e a revisão).