Desde o ápice do escândalo do INSS, no começo de 2025, o governo Lula enfrentou o mais agudo momento de desgaste de seu mandato: pesquisas da Quaest mostravam desaprovação beirando 57% e aprovação em apenas 40%.
Um escândalo de corrupção, combinado à percepção generalizada de promessas não cumpridas, com impacto econômico negativo da inflação de alimentos, parecia fragilizar o arcabouço simbólico do seu mandato – muitos analistas e eleitores se perguntavam se o desgaste seria irreversível.
Nas inúmeras palestras que dei ao longo do primeiro semestre deste ano, enfatizei o meu fascínio pela política, justamente pela capacidade que presidentes têm de ganhar ou perder eleição de forma inesperada. E pela capacidade que governos têm de recuperar espaço político, mesmo depois de crises graves.
Enfatizei, no caso brasileiro, as duas reversões de tendência produzidas por Lula e Dilma em seus primeiros mandatos. Lula chegou a ter 5 pontos de saldo negativo de avaliação em agosto de 2005, durante o mensalão, para ser reeleito com certa facilidade em 2006. Dilma teve mais de 20 pontos de queda de popularidade durante as jornadas de 2013, mas recuperou-se e foi reeleita em 2014.
O que estamos vendo desde julho no Brasil é uma mudança de cenário que, embora ainda seja discreta, é politicamente significativa: a avaliação positiva do governo passou de 40% para 48%, enquanto a desaprovação recuou de 57% para 49%, na comparação de julho com outubro. A diferença, que era de 17 pontos, hoje está em 1 ponto – um empate técnico na margem de erro. Mais importante do que o movimento numérico é o que ele revela sobre as motivações sociais por trás dessa mudança.
Espaço de estadista
A recuperação observada não é uma simples reparação de reputação ou efeito de marketing eleitoral – é resultado de fatores políticos e econômicos, somados a um novo posicionamento político.
Em primeiro lugar, o chamado “tarifaço” imposto pelos Estados Unidos ao Brasil acionou uma espécie de mecanismo de unidade nacional. Algo que os norte-americanos gostam de chamar de”‘rally around the flag”, quando o povo e o governo se unem em torno da bandeira para lutar contra um inimigo estrangeiro: 71% dos entrevistados julgaram o uso de tarifas pelos EUA como equivocado, e 48% enxergaram no governo uma postura correta ao responder diplomática e firmemente. Nessa disputa simbólica, Lula ocupou o espaço de estadista, e não apenas de gestor desgastado.
Em segundo lugar, o esmorecimento da pressão inflacionária – especialmente no custo dos alimentos –suavizou uma ferida que pesava no humor social. Embora ainda existam milhões que sentem no bolso o peso da inflação que começou depois da pandemia, o dado de que menos pessoas percebem elevação extrema dos preços sinaliza que o horizonte de insatisfação perdeu intensidade.
Paralelamente, a estratégia discursiva do governo explicou melhor suas medidas econômicas, conectando-as a narrativas de justiça social e proteção dos mais vulneráveis – uma aproximação com eleitores que já estavam em zonas limítrofes de confiança.
Um elemento menos visível, mas talvez mais poderoso, é o efeito defensivo que opera em sociedades polarizadas: muitos já dizem ter mais medo de um retorno de Bolsonaro do que de uma continuidade de Lula. Esse temor mobiliza o eleitorado para reforçar o governante atual, não como aprovação plena de todas suas decisões, mas como “mal menor” em um cenário de ameaça percebida. A política torna-se, então, um jogo de contraposições e segurança, e não apenas de adesões entusiasmadas. Com um discurso alinhado “ao lado do povo brasileiro” e com o principal adversário sendo julgado, condenado e cometendo erros políticos, um pedaço do eleitorado voltou a ver em Lula uma opção melhor.
Mas será que essa recuperação é sustentável? Há dois riscos que podem comprometer a situação do governo.
Primeiro, é perigoso que a recuperação se sustente apenas por incentivos externos ou simbólicos, e não por entrega de resultados concretos. O avanço da aprovação até 48% ainda revela um cenário difícil para o governo. Mesmo com tantos programas, com mais investimento social e com discurso acertado na política externa, o percentual de desaprovação continua alto, revelando rejeições estruturais em boa parte do eleitorado do país.
Se os efeitos do tarifaço se dissiparem, ou se a economia real desandar (inflação, desemprego, desequilíbrios fiscais), o impulso simbólico pode esvair-se como vapor. Além disso, setores mais refratários – eleitores de baixa renda, católicos, populações que sentem mais o peso dos cortes sociais – podem sair frustradas no ano que vem sem sinalizações claras de pacto redistributivo.
Por isso, a reforma da renda foi um avanço político tão importante para Lula. Conseguir entregar justiça tributária como narrativa, sem precisar polarizar mais o país, tende a fornecer dividendos eleitorais no ano que vem.
Jogo simbólico
O segundo risco está nas perspectivas futuras. Embora tenha recuperado popularidade, o governo não conseguiu mudar a opinião da maioria sobre os rumos do país. Ainda é alto o percentual que defende que o Brasil não vai na direção certa. Como o voto é uma avaliação do que foi feito e uma promessa do que virá pela frente, falta ao presidente conseguir convencer que o futuro é promissor e que pode ser entregue por ele mesmo.
Em favor de Lula está o fato de que há 1/3 desses insatisfeitos com o status quo que também não está satisfeito com as alternativas apresentadas, o que acaba gerando apatia e abstenção eleitoral neles. Enquanto Lula converte quase 80% dos votos de quem aprova seu governo, a oposição converte 60% de quem desaprova o governo. É nesta diferença de conversão de votos que está a vantagem eleitoral de Lula sobre os demais que as nossas pesquisas continuam a mostrar.
Para que essa reconquista de popularidade prospere até 2026, o governo precisa transformar clareza retórica em conquistas palpáveis: avanços estruturais, segurança institucional, políticas que beneficiem diretamente a vida cotidiana do eleitor que decide. Os independentes que votam são o alvo principal dessa disputa. Se o jogo simbólico recuar e a performance real decair, a oposição ativa encontrará novamente terreno fértil na insatisfação.
Em última instância, essa recuperação da popularidade não é um favor concedido, mas uma janela provisória – um aviso de que, em política, crise não é só ruína: é também oportunidade. E quem entender isso melhor poderá fazer com que o movimento de volta se transforme em base sólida.