A Argentina virou o maior experimento social do neoliberalismo no século XXI e, ao mesmo tempo, cheira à coisa velha. Nos últimos meses, estamos vendo uma experiência conduzida com frieza laboratorial por políticos, banqueiros, bilionários e, claro, pela imprensa internacional – seu braço publicitário. Tudo empacotado com novo nome – anarcocapitalismo –, em um papel brilhante ao som das motosserras.
Para alguém que, como eu, nasceu e cresceu na fronteira com a Argentina no começo dos anos 1980, Milei é um remake de “Vale Tudo”, cheirando às velhas costeletas de Carlos Menem, o ex-presidente famoso pela equiparação do peso em dólar, o que sepultou de vez a indústria do país.
Assim como acontece hoje com Milei, o FMI e o governo dos EUA à época (Bill Clinton) transformaram Menem em um símbolo internacional da reforma; como convidado de honra, ele fez um discurso na reunião anual do Fundo Monetário Internacional, em 1998. Virou, como dizem os gringos, um poster boy, o rosto nos outdoors que tentavam vender austeridade mundo afora.
Entre 1989 e 1991, o FMI deu à Argentina uma conta bancária para “melhorar a saúde” de sua economia. Cerca de 50 assessores do Fundo se encarregaram de todos os detalhes. Sem sinais de melhora no longo prazo, mais um empréstimo de US$ 8 bilhões foi feito ao país em agosto de 2001, quando já era óbvio que o experimento tinha virado pó. A economia argentina contraiu 20% entre 1998 e 2002, levando o FMI, em um relatório publicado em 2004, a criticar as ações do próprio Fundo.
Desde o início do governo Milei, revistas como The Economist e jornais como Financial Times (representantes do chamado mercado) passaram meses descrevendo a crise argentina como uma necessária “cura amarga” para os problemas locais, celebrando o “ajuste” de Milei como se fosse um rito de passagem civilizatório. Era a novela Menem sendo refilmada.
A farsa só começou a ruir quando os números deixaram de caber nas planilhas e a realidade foi escancarada. As vendas de comida caíram, enquanto as lojas de artigos de luxo aumentaram o faturamento – o retrato perfeito de um país que passou a servir a uma elite e ao mercado financeiro.
Enquanto a popularidade de Milei despenca e suas derrotas eleitorais são impossíveis de esconder, como nas eleições de Buenos Aires, a economia entrou em uma espécie de colapso controlado, assim como a de Menem. Até ontem, a Argentina tinha apenas US$ 700 milhões em caixa, valor que chegou a ser vendido em apenas um dia no mês passado. Em suma, se acabó la plata.
O desespero obrigou o ministro da Economia a passar duas semanas nos Estados Unidos, implorando por socorro. Washington respondeu com uma injeção emergencial de US$ 20 bilhões, dinheiro que já tem destino certo: sai do Banco Central argentino e volta a sair do país na forma de evasão, lucros e remessas das mesmas empresas que lucram com a crise. Não há dúvidas de que esse dinheiro terá o mesmo destino das remessas anteriores: irá sumir do mapa.
Era evidente que o experimento Milei não daria certo. Mas ele precisava dar a impressão de que funcionava, ao menos por um tempo – o tempo suficiente para que a direita latino-americana tivesse um pôster para fazer propaganda, um exemplo local, um “caso de sucesso” a ser vendido antes das próximas eleições no Chile, na Colômbia e no Brasil. Milei é o garoto-propaganda de um sonho neoliberal reciclado. Agora, com as prateleiras vazias e as panelas também, o sonho mostra o que sempre foi: um pesadelo remodelado.