O colapso do Banco Master deixou à mostra como relações políticas, omissões regulatórias e ambição privada se imbricam num emaranhado de operações, que oferecem ganhos rápidos para alguns e prejuízos para o próximo. O caso é mais do que uma crise financeira. Ele conta como o risco troca de mãos, na certeza de que a punição, quando chega, não atinge quem conduz o tear.
O rombo foi montado aos poucos, fio a fio. Durante meses, o Master atraiu investidores com promessas de retorno acima da média. Os chamados CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) ofereciam juros sedutores, acima dos ofertados pelos concorrentes, com a confiança adicional do FGC, o fundo privado de proteção mantido pelas próprias instituições financeiras.
Esse seguro permitia ao Master captar sem que o investidor percebesse o aumento de risco. Por trás da vitrine, o banco acumulava ativos difíceis de vender e avaliar, enredando operações cada vez mais arriscadas.
O tear se rompeu quando o Banco Central, mesmo sob pressão, após análises internas, vetou, em setembro deste ano, a venda do Master para o BRB, o banco de Brasília, e decretou sua liquidação em novembro. Mas, a essa altura, a conta já estava alta. Agora, o FGC cobre o prejuízo, num resgate raro para um banco desse porte.
Quem tem amigos tem bancos
Não foi por falta de aviso.
Um parecer da Caixa Econômica Federal já apontava, meses antes, as inconsistências dos números do Master. Mesmo assim, o Banco Central demorou a agir. O então presidente da instituição, Roberto Campos Neto – já fora do cargo quando o caso eclodiu – disse que nada faria diferente. E, de fato, não o fez.
Mesmo com o aumento dos alertas do mercado e de outros bancos, a fiscalização não agiu a tempo. O atraso trouxe consequências e o regulador parecia vestido de vovozinha, com olhos que fingiam não ver e ouvidos atentos apenas quando as vozes vinham de conexões convenientes.
O personagem central dessa história é Daniel Vorcaro.
Empresário com trânsito amplo em círculos de poder, ele ocupou espaços estratégicos e se movimentou como quem tece uma teia com calma, sabendo exatamente onde cada fio vai parar. Seu sócio é casado com uma ex-ministra ligada ao governador do Distrito Federal, que controla o BRB, o banco público que, por pouco, não se tornou o salvador do Master.
A proposta era indecorosa. O BRB compraria parte das ações – a totalidade das preferenciais e 49% das ordinárias, que dão direito a voto. Com isso, Vorcaro ainda deteria 51% das ações ordinárias e manteria o controle, sem precisar de aprovação da Câmara Legislativa do DF e sem escrutínio público. Um arranjo que atenderia a interesses privados, sob o manto de uma solução estatal. O governo do Distrito Federal entraria para limpar a bagunça, com alvejante comprado com dinheiro público, mas sem assumir, de fato, o controle da instituição.
Maquiagem, farsa e carteiras duvidosas
O problema vai além do acordo não concretizado. De acordo com levantamentos do Banco Central, entre 2024 e 2025, o BRB despejou R$ 16,7 bilhões no Master. Parte desse valor veio da compra de carteiras de crédito duvidosas. Segundo as investigações, o Master nem chegou a pagar pelas carteiras que repassou ao BRB. Recebeu R$ 12,2 bilhões por elas, sendo quase metade embutida como prêmio, como apontam os relatórios técnicos usados nas apurações.
A operação deixava o Master com cara de banco forte, mesmo com as vísceras expostas.
Mais do que uma maquiagem às vésperas da negociação, relatórios concluíram que houve injeção de recursos públicos na compra de carteiras de crédito, cuja existência nem sequer foi comprovada. Ainda que fossem, a exposição entre os bancos beirava o limite regulatório. Sem comprovação, vira farsa.
Ao mesmo tempo, o banco gastou milhões de reais com consultorias e advogados, que compuseram um escudo jurídico robusto, o que sugere um plano calculado. A ambição avançava confiante na expectativa da impunidade.
O caso toca numa ferida maior. Quando um banco promete rentabilidade muito acima do normal e opera sob a proteção do FGC, o incentivo é perverso, sedutor e distorcido. O emissor capta dinheiro fácil, enquanto reparte o risco com o sistema
A solução não passa só por punir posteriormente. É preciso puxar o fio antes de a teia virar armadilha, que visa alimentar o apetite pela ousadia irresponsável. Isso inclui a limitação da rentabilidade paga por bancos cobertos pelo FGC, aumentar a exigência de reservas conforme o risco cresce e impor freios quando esse risco aumenta demais, a fim de evitar que a captura aconteça.
De olhos bem fechados
O Caso Master expõe como a atuação do Banco Central pode abrir espaço para aventuras perigosas, quando a autoridade escolhe não agir. Durante a gestão de Roberto Campos Neto, as advertências que chegavam de dentro do sistema financeiro não receberam resposta firme.
Os sinais de desequilíbrio estavam presentes. Relatórios apontavam alto risco, movimentações que extrapolavam padrões prudenciais e carteiras sem lastro comprovado, que deixariam qualquer supervisão mais rigorosa em alerta. Mesmo assim, nada foi feito.
Campos Neto deixou o comando dizendo que repetiria todas as decisões, como se a inação fosse virtude. Sua postura criou um ambiente confortável para quem opera nos limites regulatórios. A ideia de que o regulador hesitaria até o último instante funcionou como convite à temeridade.

Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central (Foto: José Cruz/Agência Brasil)O episódio nos obriga a olhar com mais atenção para o papel do Banco Central, os limites da atuação dos bancos públicos e o uso político das instituições financeiras. Ele deixou visível a olho nu um modo de operação que transfere lucros privados e riscos públicos, muitas vezes com a ajuda da omissão.
O caso Master não deslegitima a política nem a função dos bancos públicos. Ambos são parte essencial do funcionamento democrático. Bancos públicos têm um papel importante, sobretudo, na função social. O que esse capítulo da história da dona Aranha nos conta é como práticas específicas podem distorcer esses instrumentos. A tentativa de envolver o BRB numa solução que mantinha o controle privado do Master, mesmo diante de sinais de fragilidade, patenteia como as relações particulares podem se sobrepor ao interesse público diante das falhas institucionais.
A supervisão tardia ajuda a criar um ambiente propício para essas distorções. Não se trata de generalizar atuação política, mas de reconhecer que a governança precisa ser forte para impedir que decisões públicas sejam capturadas por interesses privados. A queda do castelo do Master reforça a importância de regras e de uma fiscalização que não pestaneje, além do uso responsável das instituições para que cumpram sua finalidade social e política e não acabem como peças de um tabuleiro onde todos se movem para proteger o rei.