Nas últimas semanas, vimos reacender nas ruas das cidades brasileiras e em todos os cantos das redes sociais palavras de ordem orientadas pela justiça social. Frente ao papelão de alguns congressistas sobre a PEC da Bandidagem e o PL da Anistia, a população respondeu com firmeza: não queremos mais privilégios para políticos, queremos isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, com taxação dos super ricos e o fim da escala 6×1.
Sob a ótica de 20 milhões de brasileiros que trabalham mais de 44 horas semanais, o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho é a oportunidade histórica de garantir mais um dia de descanso, diante do exaustivo avanço do capital sobre o tempo disponível dos trabalhadores.
O debate sobre os custos da transição para uma jornada de 36 horas semanais em escala 4×3 se tornou frequente nos jornais e nas salas de conferências das entidades patronais. Amparada na força dos movimentos sociais e em dados e análises técnicas de acadêmicos que produzem pesquisas preocupadas com o Brasil, entendo que, entre os princípios de uma redução da jornada de trabalho e a extinção de uma escala nefasta como a 6×1, está a possibilidade de gerarmos novos empregos na economia e também de oferecer melhor qualidade de vida aos trabalhadores.
Neste sentido, a PEC protocolada no Congresso Nacional, em fevereiro deste ano, é uma resposta e um enfrentamento às estruturas da sociedade brasileira, sabendo que mudanças profundas possuem custos, que podem e serão suportados pelas instituições.
Narrativas falaciosas
A nossa luta tem avançado junto aos movimentos sociais a fim de garantir melhores condições ao mercado de trabalho brasileiro e ao desenvolvimento nacional. Se, na ordem do dia da política brasileira, o desenvolvimento e a soberania do país estão sendo discutidos e disputados, então, que essa disputa encontre no mundo do trabalho sua centralidade e seu motor para uma transição justa em direção a um Brasil de menos desigualdades socioeconômicas, socioambientais e políticas.
A jornada de trabalho, as ocupações e o perfil destes trabalhadores constituem uma oportunidade de promover transformações concretas, e a abolição da escala 6×1 é um grande passo necessário.
O que não é justo, nos termos do debate e da construção de um país, é a criação de pânicos morais sobre os trabalhadores – o lado efetivamente mais fraco das negociações –, como têm feito entidades patronais, a exemplo da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais). Não é justo jogar somente sobre os trabalhadores a pressão e os custos de uma transição que trará ganhos para o conjunto da sociedade.
A construção de narrativas falaciosas – como a suposta queda de 16% no PIB, a diminuição da produtividade do trabalho e o encarecimento dos bens e serviços finais – tem um único objetivo: desmobilizar, calar mais uma vez e subordinar a classe trabalhadora. Para fins de análises comprometidas com o arcabouço teórico da economia, esses estudos não são sequer válidos.
Reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais e acabar com a escala 6×1 não significa tão simplesmente fazer com que a economia pare de funcionar por um dia. Significa que, diante da necessidade de novas contratações das empresas e do setor público, o número de horas trabalhadas no conjunto da economia tende a crescer devido aos novos turnos necessários para realocar os funcionários em escalas de trabalho formais, ao mesmo passo em que o PIB tende a responder aos novos incentivos de demanda: afinal, mais trabalhadores empregados e mais trabalhadores com tempo disponível para atividades de lazer e consumo expandem a economia.

Foto: Letycia Bond/Agência Brasil
Ambos os crescimentos se traduziriam também em ganhos de produtividade. São os casos de França e Bélgica, exemplos de países desenvolvidos que adotaram a redução de jornada de trabalho para algo entre 38 e 35 horas semanais.
Honestidade no debate
Mas, para que a honestidade seja mantida no debate, mais do que comparar o Brasil com economias desenvolvidas e exportadoras de capital, faz sentido compará-lo com economias de posições parecidas com a nossa, que produzem e exportam produtos parecidos com os nossos.
Olhando para os nossos vizinhos latino-americanos, a Colômbia – que tem média de 47,7 horas de trabalho por semana e ainda se encontra atrás do Brasil no ranking de produtividade do trabalho, conforme levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – é a mesma Colômbia que aprovou, no meio deste ano, uma redução de jornada para 42 horas semanais.
Desse modo, comprovou ser possível e necessário dar um passo em direção à dignidade do trabalho e à construção de uma sociedade justa. Nesta semana, também vimos no Brasil o anúncio de grupos do varejo nacional adotando escalas de trabalho 5×2, iniciativa importante e que reflete a viabilidade da proposta, sobretudo, no setor que mais acumula trabalhadores em escala 6×1.
As novas contratações são também um bom sinal para o nível de formalização da economia brasileira. Se, hoje, 38% de nossa força de trabalho está na informalidade, segundo o IBGE, então, a necessidade de contratação também representa uma oportunidade de revermos as condições estruturais do mercado de trabalho, que empurram tantos brasileiros para a informalidade e para postos de trabalho precarizados, sem direitos e, muitas vezes, desumanizantes.
Encaremos a realidade com seriedade: a classe trabalhadora, que constrói este país todos os dias, precisa de dignidade, de descanso e de mais empregos, e não há alternativas para a consolidação de um Brasil justo, desenvolvido e soberano que não passe pelas mãos e pelos anseios da classe trabalhadora brasileira.