A Praça dos Três Poderes foi desenhada com cuidado, para traduzir em arquitetura o que a Constituição prevê: um triângulo com três partes de igual peso.
A força da obra arquitetônica não tem sido suficiente para alimentar uma relação mais republicana entre os três vértices do poder. Ela anda bastante desequilibrada. E não é de hoje. Mas, em cada novo embate, a distorção dos papéis fica mais evidente.
No dia 27 de novembro, Câmara e Senado mediram forças com o Planalto. Sentados na mesa diretora da Câmara, de mãos dadas, sorridentes e triunfantes, os presidentes Davi Alcolumbre e Hugo Motta comandaram a derrubada de 56 vetos do presidente Lula, que tentavam conter o avanço destrutivo sobre o meio ambiente.
Cenas de irritação
Comemorada como grande vitória da oposição, a derrubada dos vetos tem um perdedor óbvio: o futuro da espécie humana, do meio ambiente, das próximas gerações. Mas, nas manchetes dos jornais, não passou de mais uma queda de braço, que, desta vez, terminou com a derrota do governo.
O último embate público de grandes proporções ainda não teve um desfecho, mas trouxe à tona, com força, o problema.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) não gostou, nem aceitou a indicação do advogado Geral da União, Jorge Messias, para a vaga que se abriu no Supremo Tribunal Federal, com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso. Queria, de todo jeito, colocar no STF o amigo e também senador Rodrigo Pacheco.
A gritaria foi grande, dentro e fora do Congresso. E a busca de uma explicação para as cenas de irritação explícita recaiu sobre pedido de cargos, mais dinheiro em forma de emendas e até mesmo a exigência de um freio nas investigações da Polícia Federal sobre o escândalo do Banco Master.
Acontece que boa parte dos senadores mais experientes do país garante que, nesse caso específico, não se trata de trocar cargos e dinheiro pela aprovação de um nome para o STF.
Porém, as desconfianças em torno da motivação de Alcolumbre para tanta briga revelam ao menos dois problemas: a banalidade da relação chantagista entre Legislativo e Executivo e a certeza que hoje existe no Congresso de que o presidente da República é quase um subordinado de deputados e senadores.
Não é de hoje que os jornalistas sabem onde buscar a explicação para que pautas aparentemente sem chances no Congresso, especialmente na Câmara, milagrosamente sejam votadas e aprovadas. Logo sai o volume de emendas liberadas pelo governo.
Foi assim ao longo dos dois anos de presidência de Arthur Lira, nos quais ele foi agraciado, inclusive, com o direito de escolher toda a direção da Caixa Econômica Federal, que, por pouco, este ano, não lançou sua própria bet. O presidente Lula entrou em cena e mandou suspender a gracinha.
No senado, Davi Alcolumbre, que presidiu a casa de 2019 a 2021 e voltou ao cargo este ano, é conhecido por centralizar com mão de ferro a liberação de emendas dos senadores para comandar o jogo.
As chantagens não se limitam às relações com o Planalto, mas também entre os iguais.
Só que Alcolumbre surpreendeu no caso do STF. Considerado um político muito “prestigiado” pelo presidente Lula, ou seja, atendido em suas demandas por cargos e verbas, ainda assim ele bateu o pé e declarou guerra.
É uma segunda forma de chantagem que Lula não comprou e à qual não parece inclinado a ceder.
Alcolumbre se arrogou o direito de sugerir um nome para o STF e se acha no direito quase divino de ter a indicação acatada pela Presidência da República.
Defesa da democracia
Resta ao bom senso refrescar a memória do senador sobre o equilíbrio dos poderes, seus deveres e prerrogativas. Na democracia brasileira, é prerrogativa do presidente da República, e só dele, indicar nomes para o STF. E é competência do Senado sabatinar e aprovar, ou não, o candidato.
A sociedade pode se mobilizar, e pressionar, como tem feito no caso da briga por representatividade no Supremo. Não se vê o Brasil refletido ali com apenas uma mulher e nenhuma pessoa negra. A disputa é legítima. A pressão também.
Mas foi curioso ouvir os argumentos de vários senadores experientes, com nome e sobrenome ou sob a proteção do anonimato, repetindo o mesmo discurso: pela primeira vez, existe um senador, que inclusive foi presidente da Casa, com um currículo compatível para a vaga no STF.

Pacheco, destacaram, foi o primeiro a reconhecer a vitória do presidente Lula e foi firme na defesa da democracia. Eu pergunto: o que mais esperar de um senador da República? Não seria o mínimo?
Segue o argumento dos senadores: eles teriam muito gosto de ver o colega no Supremo. Podem até querer, podem, inclusive, pedir e sugerir. Só não podem achar que, por isso, o presidente da República tem que acatar. E muito menos fazer chantagem com discursos combativos e agendas para acelerar o processo na tentativa de inviabilizar o candidato do governo.
Está em jogo a busca de um pouco de equilíbrio entre os três vértices do triângulo. A criação do Orçamento Secreto e a transferência de boa parte das verbas públicas para as mãos do Congresso, com o beneplácito de Jair Bolsonaro, aprofundaram o desequilíbrio, dando a deputados e senadores a sensação de que são eles os donos da bola e de que o Planalto só entra em campo quando eles assim determinarem.
Se esquecem que o presidente foi eleito pela maioria dos votos populares. E que cada um precisa se limitar ao seu próprio vértice do triângulo da Praça.
Esse tem sido um dos desafios da república nos últimos três anos: reequilibrar o jogo e limitar cada poder ao seu espaço de direito. Nada a menos e, com certeza, nada a mais.