A quebra do mito: como a direita rachou em SC

Governador tenta se descolar de Bolsonaro, enquanto núcleo ideológico se despedaça
ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x

Uma parada em um café. em ponto tradicional próximo a Florianópolis, na BR-101, e uma palestra para um auditório cheio, no auge do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro como presidente da República, fizeram de Eduardo Bolsonaro um aliado estratégico do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello.

Então um estreante senador da república, Jorginho estava longe de ser um novato, mas carecia de alianças fortes para efetivar um projeto – o sonho de comandar o Estado já nas eleições seguintes, em 2022.

Na palestra em Criciúma, em 2019, o filho de Bolsonaro deixou claro que não estava satisfeito com o governo do correligionário do PSL, o bombeiro e coronel da reserva Carlos Moisés. No café, abriu sua agenda para um encontro com Jorginho Mello, que estava de olho na cadeira do então governador. Os episódios se cruzaram em um apoio explícito: Eduardo revelou publicamente o desejo de ver o novo amigo como candidato ao governo, com apoio do pai.

Parceiro de motociatas

O amor não veio de graça. Eduardo Bolsonaro estava num périplo para ser embaixador nos Estados Unidos e bateu na porta de senadores para conquistar apoio em um projeto fracassado. Esperidião Amin, hoje um dos polos na disputa que rachou o bolsonarismo em Santa Catarina, teria o recebido sem entusiasmo. Jorginho aderiu estrategicamente ao flerte.

A aproximação entre Jorginho e o núcleo de poder da família Bolsonaro foi costurada por um estrategista político que, na época, era assessor de comunicação de Jorginho. O jornalista Maurício Locks, hoje, trabalha pela candidatura de Romeu Zema, mas, há seis anos, abordou a então “influencer de clube de tiro” Júlia Zanatta nas redes sociais. Tinha o convite para um encontro dela com Jorginho. O objetivo era inserir o então senador no núcleo do bolsonarismo.

Começava a ser selado um destino político que sofre uma rachadura sem precedentes. Júlia se filiaria ao PR, partido de Jorginho Mello, a convite dele. Em 2020, concorreria à prefeitura de Criciúma, com o slogan “Fechada com Bolsonaro”, já com o nome do partido modificado para PL. Jorginho sabia que Júlia era um passaporte para o bolsonarismo pela intimidade criada com a família em clubes de tiro dos Estados Unidos.
O pragmatismo político do centrão ficou de lado. Jorginho virou “linha de frente” do novo amigo Jair na CPI da pandemia de Covid-19. Depois, um parceiro de motociatas, onde aprendeu a engrossar o coro das pautas da agenda armamentista e ideológica. Só que, no meio do caminho, havia uma prisão.

O plano deu certo até agosto de 2025, com a prisão domiciliar de Bolsonaro.

Amanda motociata divulgação
Jorginho Mello na garupa de Bolsonaro, em 2021 (Foto: Divulgação)

Nos últimos anos, Jorginho demonstrou sua gratidão à família concedendo o cargo com remuneração de cerca de R$13 mil à Letícia Firmo, filha de Michelle Bolsonaro. Sem formação e sem experiência, ela atua na pasta da Secretaria de Articulação Nacional do governo de SC, em Brasília, desde abril de 2023.

Jorginho também recebeu o estreante Jair Renan, quando o filho mais novo do ex-presidente decidiu se candidatar a vereador em Balneário Camboriú, em 2024. O currículo é bastante parecido com o de Letícia: pouca experiência e zero identificação com o Estado.

A boa vontade não foi a mesma com Carlos Bolsonaro. Jorginho Mello nunca entrou de cabeça na proposta de ceder uma costura ao Senado a alguém que poderia lhe tirar alianças, mas acatou o combinado de indicar apenas um nome. Sua escolhida, Caroline de Toni, não caberia na conta. Começava aí uma estratégia para se blindar de críticas e cobranças de todos os lados.

Maestro da orquestra

Este ano, o governador já investiu mais de R$ 100 milhões em campanhas de mídia. Destes, cerca de R$12 milhões foram para a editora Notícias do Dia e para a NDTV, veículo que lançou editoriais e produtos informativos noticiosos criticando a candidatura de Carlos. O argumento é seu distanciamento das pautas e demandas locais.

O tom foi semelhante ao adotado pela deputada estadual mais votada da história do Estado, Ana Caroline Campagnolo. Os textos e vídeos marcados pela crítica começaram a circular dias depois de a parlamentar fechar o cerco contra a candidatura de Carlos em veículos conservadores.

O refinamento da estratégia também envolve o deputado Nikolas Ferreira, com quem Ana lança um livro infantil, no mesmo momento em que denuncia os desmandos da família que também teme a ascensão do deputado mineiro.

O que estava em jogo, nas falas da deputada, era um projeto de partido que pudesse formar uma coligação para além da imposição dos Bolsonaros.

Ana, parte da ala mais ideológica, apoiou Jorginho no movimento de retorno ao centrão, na tentativa de costurar alianças com o Progressistas de Amin. Queria, no entanto, que Caroline de Toni fosse a candidata do PL, e não Carlos. Apoiada pelo governador, começou a agir.

A confirmação de que Jorginho era o maestro da orquestra  veio na sexta-feira, 7 de novembro, num evento político do PL chamado “Rota 22”, em Blumenau. Ele fez elogios a Campagnolo na semana na qual ela foi duramente atacada pelos bolsonaristas radicais, reduto que sempre a aclamou.

O gesto foi lido como uma benção e sagra um novo capítulo na história política do governador, que pouco tem falado em anistia: seu desejo é se aproximar dos líderes de direita no chamado “Consórcio da Paz” e abrir os braços para personalidades populares no partido, como Nikolas Ferreira.

Carlos Bolsonaro deve estar no palanque e no santinho de Jorginho, mas o voto é secreto.  Pelos movimentos mais recentes, o governador de Santa Catarina não verá a imagem do filho do presidente na urna. O café com Eduardo Bolsonaro ficou em 2019 e as motociatas com Jair, em 2022. Para ele, a fila já andou.

Assine a Revista Liberta

Tenha acesso ilimitado a todas as edições, com reportagens exclusivas, análises jurídicas e políticas, além de um olhar crítico sobre a história sendo escrita diante dos nossos olhos.

Quero Assinar
Já é assinante? Entrar